terça-feira, 30 de novembro de 2010

'Políticas públicas de saúde mental são contrárias aos médicos', diz especialista



Novo presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) é eleito afirmando que vai defender os psiquiatras e, por consequência, os pacientes da atual política de saúde mental do Ministério da Saúde.


As declarações abaixo mereceram uma carta aberta, escrita pelo Vice-Presidente da Associação Metamorfose Ambulante de usuários e familiares do sistema de saúde mental do Estado da Bahia (AMEA-BA) - Sérgio Pinho - Veja Carta na íntegra, logo abaixo dessa matéria.



O psiquiatra Antonio Geraldo da Silva passou os últimos meses em campanha para se tornar o novo presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Seu principal argumento para conquistar o cargo era que, uma vez eleito, promoveria uma “defesa intransigente da psiquiatria, dos psiquiatras e dos pacientes”.
No último dia 26 ganhou as eleições com 2/3 dos votos. A receptividade a esse discurso se explica pela conclusão dos psiquiatras de que o Ministério da Saúde patrocina uma política de saúde mental contrária aos médicos psiquiatras, à medicina e, por consequência, aos pacientes. “Os responsáveis pela área estão orientados por interesses ideológicos e corporativistas. Para atingir seus objetivos, precisam afastar os critérios técnicos e científicos das decisões, ou seja, se livrar dos médicos”, esclarece o presidente da ABP. Segundo Antonio Geraldo, com a justificativa de “humanizar o tratamento”, grupos militantes na saúde mental com forte influência no Governo pretendem reclassificar a doença mental como um problema social. “Assim, a condução das políticas de saúde deixa de ser atribuição dos médicos e passa ao controle dos ‘movimentos sociais’. Este é o verdadeiro objetivo”, diz.
Nos últimos anos, de acordo com o presidente da ABP, a coordenação de Saúde mental do Ministério da Saúde vem, por meio de portarias, tentando subtrair da assistência os princípios da Lei 10.216/01, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. “Esta lei garante, expressamente, ao paciente o direito a ‘ter acesso ao melhor tratamento, consentâneo às suas necessidades’. O melhor tratamento apenas o médico é capaz de indicar e ele pode ser, dependendo do caso, tanto um acompanhamento extra-hospitalar até a internação em um hospital geral com unidade de psiquiatria ou hospital especializado, alguns casos não responsivos a terapia pode ter a necessidade de eletroconvulsoterapia. É o diagnóstico médico que define a intervenção e não ideologias pré-históricas ou a necessidade de alimentar mercados de trabalho. Infelizmente, o conceito de ‘melhor tratamento’ se opõe aos atuais interesses da coordenação de saúde mental do Ministério da Saúde e por isso foi substituído por tratamento ‘humanitário’, como se o tratamento médico não fosse humanizado”, esclarece Antonio Geraldo.
Para promover essa mudança de orientação na assistência, o Ministério da Saúde vem implantando o que denomina “reforma psiquiátrica”, que basicamente prega a extinção dos hospitais especializados e a concentração dos atendimentos nos CAPS. Estratégia que se opõe à Lei 10.216, “É um erro, promovido por má fé e ignorância. Os CAPS são bons instrumentos, mas incapazes de atender a demanda dos pacientes e a complexidade de determinados transtornos. Essas unidades devem estar inseridas dentro de uma rede, que se sucede com promoção de saúde, prevenção de doença, atendimento primário, secundário e terciário. Obviamente que não concordamos (e sempre lutamos contra) com os serviços de má qualidade. Mas, nesses casos, as ferramentas devem receber investimento para melhorar o atendimento e não serem simplesmente fechada sem análise técnica, visando apenas a redução de custos e a condenação de determinados diagnósticos psiquiátricos”, diz Antonio Geraldo. A postura antimedicina da dita “reforma” pode ser observada nas normas que regulamentam os CAPS, símbolo do movimento. Segundo as regras, essas unidades só poderão funcionar em área física específica e independente que qualquer estrutura hospitalar. “Por que essa determinação? A proximidade com um hospital pode trazer diversos benefícios. Não existe qualquer indicação técnica que sustente o contrário. É um raciocínio dogmático a serviço de interesses estranhos à saúde”, afirma o presidente da ABP. Entre as funções do CAPS está a oferta de “acolhimento noturno”. “Essa expressão é um eufemismo para internação. Ao dizer que ‘acolhem’, não se obrigam a ter um médico para diagnosticar a necessidade de internação”, explica. "Quem ficaria tranquilo em deixar um filho, durante um surto psicótico, em um serviço sem médicos?", pergunta.
A prioridade para esse tema foi fundamental para Antonio Geraldo se tornar o novo presidente da ABP, e ele não pretende decepcionar os psiquiatras. “Vamos lutar para abolir a ideologia e o corporativismo das políticas públicas e exigir que a saúde volte a ser planejada com base na ciência, conduzida por médicos comprometidos com os conhecimentos técnicos e que tenha como finalidade atender as necessidades do paciente, o que hoje não é o caso. Aqueles que necessitam do serviço público para tratamento próprio ou de familiares sabem muito bem do que estou falando”, finaliza.

Autor: Assessoria de Imprensa
Fonte: ABP

2 comentários:

Ida Lenir disse...

Oi! Vim aqui te visitar. Parabéns pelo blog.
Quanto ao tema "saúde mental", acredito que há sempre o perigo de tratá-lo sem levar em conta todos os fatores e atores envolvidos. Ou se privilegia o paciente, ou o medico/instituição,ou o Estado ou a família/cuidador.
Todos tem seus direitos e deveres nesse processo, não é possível pensar apenas em um deles.
Como política pública, eu, particularmente, defendo que devem criar a possibilidade de atender a multiplidade de casos.
Conheço pessoas que são sozinhas, ou porque o caminho pelo qual enveredaram causou o rompimento dos vínculos familiares, ou por realmante não te-los, por motivos vários. Como fazer para resolver essa situação, sem um sistema de hospitalização?
A questão é delicada e precisa de muita sensibilidade para lidar com ela.
Abraços

Voz(es) & Fato(res) disse...

Olá Ida, obrigado pela visita, e mais... espero que continues cartografando por aqui.

O que você aponta em seu comentário só corrobora os argumentos contrários ao que tem sido bastante questionado (e abordado na carta transcrita) no modelo de atenção em saúde mental, isso a partir do que tem sido denominado de luta anti-manicomial (Reforma Psiquiátrica). Trata-se do modelo médico-hegemônico, cuja prática é baseada em critérios de verdade pensados unilateralmente e que costumo denominar de “corporativismo e fascismo escamoteado de científico”. Não se trata de demonizar uma determinada categoria profissional, pois sabemos do contexto histórico que dá base para esse tipo de prática, mas de (re)colocar na roda uma discussão super importante que envolve a vida daqueles a quem pretendemos “proteger”...