domingo, 14 de junho de 2009

Aprisionamento



Entrada de
Emergência.


Sorria. Você está sendo filmado.


Carro com cofre
chave na garagem.


Bata antes
de entrar.

Mantenha a
porta fechada.


Ao sair, apague
as luzes.


Não fale com
Motorista.


Em caso de emergência...

BBB
Big Brother Brasil.


Não entre sem permissão.


Desculpe o transtorno.

Estamos trabalhando...


Vigilância
24 horas.

Escapamento






Saída
de emergência


O transtorno não precisa de desculpa!

Ao entrar, acenda
as luzes


Entre sem
bater


BBB
Big Bye Bye


Cofre com chave.
Mas sem carro

Fale com motorista.
Mas não quando
à direção

Entre
sem permissão


Mantenha a
porta aberta


Filme você
mesmo


Cariocas não gostam de sinal fechado.

Entrada e saída
de cadáveres

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Eu e Bourdieu

Hoje eu estive com Bourdieu. É, com Pierre Bourdieu. Eminente sociólogo francês, catedrático de sociologia no Colége de France e autor de uma sofisticada teoria dos campos de produção simbólica. Ele procura mostrar que as relações de força entre os agentes sociais apresentam-se sempre na forma transfigurada de relações de sentido... Nossa conversa, muito mais um monólogo onde quase apenas ele falava, girou em torno de como as empresas, por ele chamadas de agentes e definidas pelo seu volume e capital específico, determinam a estrutura de campo que, por sua vez, as determina. E como o peso de um agente (empresa) depende, nesse campo, do volume e da estrutura do capital próprio, nas suas diferentes formas: capital financeiro, tecnológico, comercial, social e simbólico.

Chegamos juntos a uma daquelas filas formadas por trabalhadores sem emprego, mas não sem trabalho, que se amontoam esperando para “dar entrada no seguro desemprego” e que têm de chegar algumas horas antes dos trabalhadores empregados com inseguro emprego!!! começarem a atendê-los, com senhas nas mãos e tudo o mais de ritual institucional aí envolvido, do tipo: “você trouxe seus três últimos contra-cheques?” (experimente dizer que não!!! E lá se vão aquelas horas em pé na fila e que antecederam esse momento – muitas vezes de puro gozo (in)consciente? do inseguro trabalhador empregado). A menos que você tenha argumento (carteira de trabalho com todas as anotações devidas – alteração de salário - se é que o seu patrão se prestou a essa rigorosidade da Lei...), e saiba que isso é um argumento...

Diante disso tudo, alguns outros fatores contribuíram para que Bourdieu continuasse em seu quase monólogo. Um dos que mais chamou minha atenção foi o fato de estarmos em uma fila formada em um bairro nobre da cidade, ao lado de um dos colégios mais tradicionais da cidade das mangueiras. Não, desculpem-me!!! O que chamou a minha atenção foi como os alunos daquele colégio, sós ou acompanhados de seus responsáveis (a maioria após ter descido de seus carros, levando suas mochilas provavelmente abarrotadas de leituras que um dia se transformarão em Bourdieu ou em outro teórico mais contemporâneo) e as outras pessoas, passavam por nós (não apenas eu e Bourdieu), mas todos os outros trabalhadores ali postados. Ao passarem exibiam aquele caráter blasé comentado por George Simmel em sua “as grandes cidades e a vida do espírito”, e que é próprio de sujeitos atomizados. Eu estive lá e não pude apresentar Bourdieu a eles (aos trabalhadores). Acho que eles não entenderiam a minha intenção, boa... e “de boa intenção o inferno está cheio”, diz o ditado. Nem a intenção de Bourdieu, seja lá o que quer que ele falasse... Deixei Bourdieu para o dia seguinte, para a aula de sociologia econômica... Lá, ele teria a atenção devida e, com a mediação das diversas falas, incluindo a minha, talvez aquilo sobre o que conversávamos (ou melhor, sobre o que ele tentava me dizer) encontrasse ressonância em mim mesmo e naquela realidade por nós experienciada hoje pela manhã. Afinal de contas, Bourdieu* também pensou sobre esse tipo de relações sociais e como elas se imbricam na luta pelo poder e definem as classes interpostas no campo.

Mas vi no rosto e na expressão de muitos daqueles trabalhadores que buscavam um desemprego seguro, a vergonha de estarem ali, naquela situação. E em alguns mais, também vi um olhar de quase revolta por estarem sendo quase afrontados por aqueles cujo caráter blasé se apresentavam à nossa volta.


* Pierre Bourdieu morreu na noite do dia 23 de Janeiro de 2002, num hospital de Paris, aos 71 anos de idade.